O incômodo, o medo e a incompreensão da sociedade em relação ao transtorno mental deu origem ao manicômio enquanto instituição idealizada para o tratamento. Contudo, na prática, o manicômio jamais se constituiu como um lugar de tratamento eficaz, resolutivo ou de bem-estar. Mas, muito pelo contrário, em nome do tratamento traduziu-se em um lugar de medicalização abusiva, exclusão, encarceramento, abandono, negligência, institucionalização, maus tratos e crimes. Então, contemporaneamente, surgiu um movimento dentre familiares, usuários e principalmente trabalhadores da saúde e, mais especificamente aqueles da saúde mental, de ruptura com esse modelo manicomial. Esse movimento se expandiu e culminou com iniciativas legais de proibição de novas internações em hospitais psiquiátricos. Esse impedimento legalizado passou a ser um marco estruturador desse movimento que ganhou força em todo mundo e, no fim dos anos de 1970, chegou ao Brasil por meio de iniciativas de discussão coletiva dos trabalhadores em saúde mental brasileiros.
Os princípios da Reforma Psiquiátrica originalmente pensados mediante a loucura, são hoje também aplicáveis para os transtornos mentais de modo geral, inclusive para os usuários de drogas. Desse movimento e sua profícua discussão, foi de onde se originou a Política Nacional Brasileira de Saúde Mental com todas as suas construções de dispositivos e propositura de implantação de uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) enquanto modelo substitutivo ao manicômio e suas internações. Essa evolução também trouxe o entendimento, inclusive oficial, dos organismos e organizações de saúde de que as necessidades decorrentes do uso de drogas são do âmbito da saúde mental. Daí decorre que a saúde mental brasileira é uma Política de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas.
O modelo substitutivo se baseia na defesa de direitos para as pessoas com transtornos mentais privilegiando o exercício da autonomia e protagonismo: considerando desejo, escolhas, opiniões, capacidades intelectuais e cognitivas, historia de vida e situação social. Essa mesma compreensão se aplica às pessoas com necessidades decorrentes do uso de drogas. A própria lógica do acolhimento e cuidado, diversamente do manicômio, se baseia na escuta e análise qualificada do sujeito, da sua situação, de seus sintomas e necessidades para que o serviço se adapte a seu caso por meio da construção de um projeto terapêutico singular. O próprio ambiente vem subverter a lógica manicomial por ser um ambiente aberto, sem privilegiar a internação e nem o isolamento, mas, muito pelo contrário, favorecendo a socialização e o vínculo familiar, territorial e comunitário. Esses são os avanços alcançados pela saúde mental de um modelo muito mais propositivo, justo, respeitoso e resolutivo que atualmente têm sofrido ameaças de retrocessos em função da problemática social do uso de drogas (principalmente ilícitas).
A sociedade brasileira, por sua própria estrutura capitalista-elitista e diante da falta de informação e discussões sobre o tema da problemática do uso de drogas e seus usuários, tem tido uma compreensão superficial, linear e equivocada sobre a questão. Se soma a isso certo apelo midiático e político de defesa de pontos de vistas reacionários envolvendo o uso de drogas e a segurança pública. Diante disso parte da sociedade tem se convencido que soluções simplistas e imediatistas, diante de uma problemática multifatorial e bastante complexa é a melhor resposta. As pessoas têm acreditado, por exemplo, que a internação e ainda por cima em instituições fechadas é o tratamento mais adequado.
Então têm se observado um aumento das internações à revelia do desejo do usuário como uma prática inclusive defendida no âmbito das instituições do poder judiciário. São as chamadas internações involuntárias ou compulsórias. Essas modalidades são previstas em lei, todavia em caráter estritamente excepcional, emergencial e último, desde que não seja viável recorrer a outros recursos. As condições legais para essas modalidades de internação existir são absolutamente necessárias, pois elas infringem os direitos humanos e as diretrizes da Reforma Psiquiátrica. Sem contar que não dispõem de amparos teóricos comprovados ou de resultados satisfatórios.
Estatisticamente falando têm se demonstrado que a maioria dos usuários de drogas submetidos ao método da internação fechada e prolongada, mesmo quando aderem à abstinência, ao obterem alta da instituição e regressarem ao convívio em sociedade, apresentam uma alta taxa de reincidência no uso das drogas. Portanto, se demonstra que essa não deveria se configurar como uma opção de tratamento socialmente defendida, por sua baixa resolutividade e eficácia. Por outro lado, os métodos de tratamento que resguardam o respeito à singularidade do sujeito e sua dignidade, bem como seu desejo e adesão voluntária ao tratamento, em ambiente aberto e com internações quando estritamente necessário com curta ou curtíssima duração, apresenta resultados efetivamente muito melhores.
Nessas condições instituições psiquiátricas ou de abrigamento, como as chamadas comunidades terapêuticas encerradas em suas regras de funcionamento e filosofia de atuação, ameaçam os direitos dos usuários de drogas, as diretrizes da reforma psiquiátrica e principalmente não tratam de forma adequada e nem resolutiva a questão do uso e nem atendem as necessidades decorrentes desse uso ou à saúde em sua integralidade. As situações de extremo risco que podem demandar essas modalidades de internação geralmente envolvem o risco de suicido, agressividade ou auto agressividade intensas. E a solução elaborada, também para esses casos dentro do modelo substitutivo ao manicomial, prevê a possibilidade de internações de curta ou curtíssima duração em leitos de saúde mental implantados em hospitais gerais.
E sobre isso, é o que temos a dizer no dia 18 de maio.
SESAP/RN – Grupo Auxiliar de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas & Conselho Regional de Psicologia do RN
http://www.crprn.org.br/wp-content/uploads/2015/05/Artigo_Saudementaledrogas3.pdf